quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

todas as coisas eram possíveis.

Adeus
 Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade

6 comentários:

Anónimo disse...

Este poema é lindo, li e reli e a simplicidade e a intensidade de cada palavra...
Parabéns pelo Blog, pelas escolhas da poesia, da música.

Feliz Natal (é o que se diz hoje)

Mar.

L.S. disse...

Mar, Obrigada pela delicadeza.
Bom Ano...

Anónimo disse...

Bom ano! Que seja bem melhor que este... Foi muito complicado a todos os níveis.
Mesmo sem a 'conhecer', desejo-lhe o melhor com saúde e amor.


Mar.

L.S. disse...

Mar, e eu apenas agradeço, e retribuo os desejos. É do humano que há em nós...

Anónimo disse...

Deixo-lhe um sorriso (franco e sincero), com desejo de a ler mais vezes... Gosto da forma como escreve. Um dia destes, caso queira, mostro o meu 'canto' abandonado, que irei retomar certamente, tenho vontade e ganas de escrever.

Mar.

L.S. disse...

Mar,...que bom, e obrigada. Mas a verdade é que não sei escrever, se o soubesse...
Aguardo poder "olhar" o seu "canto"...